sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A MÁRTIR DA RAZÃO: HIPÁCIA DE ALEXANDRIA



A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana; uma revela as leis do mundo material e a outra, as leis do mundo moral. No entanto, tendo essas leis o mesmo princípio, que é Deus, elas não se podem contradizer. Se fossem a negação uma da outra, necessariamente uma estaria errada e a outra com a razão, visto que Deus não pode querer destruir sua própria obra.

A incompatibilidade que se acredita ver entre essas duas ordens de ideias, deve-se a um erro de observação e ao excesso de exclusivismo de uma e de outra parte; daí resultou um conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância.

(KARDEC, Allan. Trecho de "Aliança da Ciência com a Religião". In O Evangelho Segundo o Espiritismo,  Trad. Albertina Escudeiro Sêco. Rio de Janeiro: 1866/2001, CELD, Cap. 1, p. 53)

Filha do matemático Téon de Alexandria (c.335-405), Hipácia ('Yπατία, no original grego) nasceu em Alexandria por volta de 350 ou 370. Téon foi o último bibliotecário-mor do Musaeum ou Museu: instituição real ligada à Biblioteca, que reunia eventos de música, poesia, teatro, estudos de filosofia - sob o modelo da Academia de Platão - e arquivos de textos. Nas dependências do Museu, Eratóstenes de Cirene, no século III a.C., calculou a circunferência da Terra com aproximada precisão.

O pai deu à Hipácia a mesma educação dedicada aos meninos, e talvez possa ter estudado em Atenas e cidades da Península Itálica. Provavelmente, foi co-autora de algumas obras de Téon, além de escrever sobre álgebra, aritmética, geometria e astronomia.

Por volta do ano 400, tornou-se a primeira mulher a dirigir a escola platônica (ou neoplatônica) de Alexandria, onde lecionava o pensamento de Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino, Plutarco dentre outras filosofias, e ciências, a qualquer um que a procurasse: pagãos, cristãos, alexandrinos e forasteiros.


Hypatia (1428), afresco de Masolino da Panicale.

Com a ajuda de astrolábios, desenvolveu a astronomia de Eudoxo de Cnido, discípulo de Platão: o universo regido por leis matemáticas.

Possível é que tenha ratificado a teoria heliocêntrica do universo (os planetas orbitam em volta do sol) inicialmente proposta por Aristarco de Samos (310-c.230 a.C.), ou seja, 1800 anos antes de Copérnico.

A contribuição de Hipácia às ciências é creditada em várias áreas como no mapeamento de corpos celestes e a invenção do hidroscópio ou densímetro (instrumento para determinar a densidade dos líquidos).


 Cópia, do séc. X, do estudo de Aristarco sobre as dimensões relativas do Sol, Terra e Lua.

Alguns defendem a teoria que também tenha descoberto a orbitação elíptica dos planetas em torno do sol (e não circular, como pensava-se), 1200 anos antes de Kepler.

Certas obras que chegaram a nós, sobreviventes da destruição da Biblioteca e do Musaeum, foram seu estudo da álgebra de Diofanto, um tratado sobre seções cônicos de Apolônio, e alguns comentários sobre os matemáticos clássicos.

A enciclopédia bizantina Suda reporta Hipácia como mulher de Isidoro, o Filósofo. No entanto, não se sabe de nenhum contemporâneo dela com esse nome, já que o conhecido Isidoro de Alexandria nasceu cerca de 35 anos após a morte da filósofa.


Detalhe do afresco Escola de Atenas (1510-11), de Rafael Sanzio, no Palácio Apostólico (Vaticano).

Alguns relataram que permaneceu virgem até o fim da vida, a exemplo das vestais (o próprio Suda relata que afastava seus pretendentes exibindo panos com seu fluxo menstrual, a fim de demonstrar que não havia nada de belo no desejo carnal). É possível que, na juventude, tenha se envolvido livremente com alguns homens. Entretanto, parece que na maturidade Hipácia dedicou exclusivamente seu amor ao desenvolvimento do pensamento filosófico e científico.


Hypatia (1885), de Charles William Mitchell.

Alexandria, como em demais locais do Império recém-cristianizado, era palco de sangrentas disputas politico-religiosas entre cristãos, judeus e pagãos de diversas crenças.

Há hipóteses que afirmam que Hipácia - defensora da liberdade de pensamento e crença contra à intolerância cristã - era vista como um empecilho à conciliação entre o prefeito Orestes e o patriarca Cirilo. A filósofa era uma figura influente junto às principais famílias da cidade e, segundo os cristãos mais exaltados, precisava ser exemplarmente calada, sobretudo por se tratar de uma mulher.

Observa-se, assim, a "herança" da injusta supremacia do sexo masculino nas sociedades judaicas e romanas, a qual ainda perdura. O costume romano, por exemplo, afirmava que as mulheres deveriam ser tratadas como consortes reprodutoras ou cortesãs com reconhecimento social (no caso das heteras gregas e das sacerdotisas romanas de Vênus), sem direito algum (logo ao nascer recebiam o nome feminilizado do pai ou de outro parente homem: Cláudio-Cláudia, Flávio-Flávia, Márcio-Márcia etc.). Somente as mulheres da aristocracia romana - esposas, mães, viúvas ou parentes de eminentes patrícios, como as imperatrizes consortes - e ricas gozavam de maior prestígio.

Em março de 415, época da Quaresma, uma turba de monges de Nitrian (no deserto do Egito), liderada por Pedro, o Leitor, tomou de assalto o carro de Hipácia, quando dirigia-se do Musaeum para casa. Capturaram covardemente aquela indefesa senhora (com cerca de 50 anos); despiram-na, rasgando suas vestes, e arrastaram-na pelos cabelos através das ruas até o recém-cristianizado templo Caesareum, onde ocorreu o ignominioso vilipêndio: uma imolação humana dedicada à intolerância.


Gravuras do séc. XIX retratando o martírio de Hipácia.

A carne foi esfolada de seus ossos com ostras afiadas e seus membros, ainda palpitantes, foram atirados às chamas (Edward Gibbon, historiador inglês do séc. XVIII).

O julgamento, se acaso existiu, foi ilegal, sumário, parcial e sem direito de defesa à ré, que, nas mãos de cristãos fanáticos, sofreu humilhação maior do que a do próprio Cristo por tratar-se de uma mulher ferida e nua cercada por homens (afinal, Jesus ao menos era homem). Durante o vilipêndio e linchamento, Hipácia foi esfolada viva com ostraca (conchas de ostras ou cacos de cerâmica). O corpo foi despedaçado e por fim queimado num local chamado Cinaron.





O historiador neoplatônico Damáscio, no séc. VI, atribuiu o assassinato de Hipácia a um complô arquitetado pelo patriarca de Alexandria (e talvez executado por seus guardas, tese da escritora contemporânea Maria Dzielska). Em 1843, os autores germânicos Soldan e Heppe consideraram Hipácia a primeira mulher famosa a ser punida como bruxa pela Igreja.

Afresco medieval do Monastério de Râşca (Romênia) de Cirilo de Alexandria (c.376-c.444). Acusado de perseguir e expulsar de Alexandria pagãos, judeus e cristãos hereges (a exemplo dos novacianos) com a anuência das autoridades de Roma. Canonizado em 1882.

Com ela morreu, simbolicamente, o principal título de Alexandria: A Atenas do Egito ou Capital Oriental do Saber. As "sedes da razão" foram para o Oriente, principalmente para a Pérsia e Índia. 


Fotografia de modelo caracterizada de Hipácia (1867), de Julia Margaret Cameron.

Apesar de tudo, alguns cristãos, tempos depois, usaram-na como símbolo de virtude. Hipácia também mantinha correspondência com Sinésio de Cirene, bispo de Ptolemais (na atual Líbia), que foi seu aluno. Um dos autores da doutrina da Santíssima Trindade teria afirmado que tal sistema teria sido inspirado pelos ensinamentos neoplatônicos de Hipácia. O cristão Sócrates Escolástico afirmou que diversas pessoas vinham de muito longe para ouvi-la, e que ela não temia ir às assembleias masculinas, nas quais era admirada pela inteligência e dignidade.


Uma atriz, talvez Mary Anderson, com o figurino da peça Hypatia (c.1900).

Mulheres de Natureza Hipaciana


Antigo afresco em Pompéia (Itália) representando a poetisa Safo de Lesbos (séc. VI a.C.): símbolo de intelectualidade feminina.

Talvez possamos afirmar que Hipácia carregou o estigma trágico de uma mitológica heroína grega, Antígona:

   Grande parte dos atos mais excelsos da Grécia lendária foram realizados por mulheres, muitas das quais se encontram entre as personalidades mais interessantes da época. Antígona foi exemplo tão brilhante de fidelidade filial e fraternal quanto o de Alceste o foi de devoção conjugal. Sendo filha de Édipo e Jocasta [filho e mãe], sofreu com todos os seus descendentes a implacável ação punitiva do destino, que os condenou à destruição.
[...]
Antígona, a irmã de Polinice [príncipe morto na guerra contra o próprio irmão Etéocles, usurpador do trono de Tebas]ouviu indignada o édito revoltante que consignava o corpo de seu irmão aos cães e aos abutres, negando-lhe os ritos considerados essenciais ao repouso dos mortos. Como o clamor de uma irmã afetuosa, contudo tímida, não levado em consideração, ela decidiu com grande coragem que enterraria o corpo com as próprias mãos. Foi apanhada em flagrante, e Creonte [seu tio materno e novo rei tebano, após a morte de Etéocles em batalha] deu ordens para que a sepultassem viva, por ter desrespeitado um decreto solene da cidade.

[BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Trad. Luciano Alves Meira. São Paulo: Martin Claret, 2006, 4ª ed., cap. XXIII, p. 241-243, com adições]


Pintura do século XIX retratando Antígona presa ao sepultar Polinice.

A fidelidade de Hipácia estava voltada à Ciência e à Verdade, e, semelhante à Antígona, tamanha virtude custou-lhe a vida.

Outro vulto feminino, desta vez de carne e osso, considerado modelo de virtuosidade e de força de caráter foi a romana Cornélia Africana (c.191-100 a.C.). Filha de Cipião Africano, o Grande (herói da 2ª Guerra Púnica e vencedor de Aníbal), e mãe dos irmãos Tibério e Caio Semprônio Graco: reformadores das leis da República Romana.

Cornélia semeou a ética nos corações dos filhos, que infelizmente morreram por tentarem defender as classes sociais menos favorecidas da Roma do século II a.C.


Estátuas moderna de Cornélia Africana e dos filhos, ainda meninos, Tibério e Caio. Cornélia dizia que seus dois filhos, legisladores honestos, eram as maiores gemas que portava (Haec ornamenta mea: eis minhas jóias!). Mulher de intelecto, estudou latim, grego e literatura. Foi grande divulgadora da cultura helenista em Roma.


De forma surpreendente, Hipácia pode ter sido cristianizada na figura da santa e mártir Catarina de Alexandria, que supostamente teria vivido entre os séculos III e IV. Há algumas semelhanças: Tanto Catarina quanto Hipácia nasceram em Alexandria (Egito); eram versadas em artes, ciências e filosofia; ambas eram virgens (embora não haja comprovação desse estado no caso de Hipácia) e foram martirizadas. Entretanto, diferente da filósofa pagã, não há provas da existência da santa cristã.

Retrato de Catarina de Alexandria (c.1670) pintado, provavelmente, por Onorio Marinari.
A santa é tradicionalmente representada portando um livro (o conhecimento), além da espada, da palma e da roda rompida (o martírio). A lenda diz que o imperador romano Maxêncio (c.278-312) teria ordenado a morte lenta e dolorosa da donzela na roda (munida de peças cortantes de metal) por ter convertido ao cristianismo diversos pagãos, mas o objeto milagrosamente quebrou-se. Foi, então, decapitada.

A efígie hipaciana inspirou outras mulheres de gênio, que vieram após. O historiador, do séc. XIV, Nicéforo Gregoras deu o título de "Hipácia II" à Eudócia Macrembolitissa (1021–1096), segunda esposa do imperador bizantino Constantino X Ducas, pelos magníficos escritos sobre história e mitologia.

No sentido de ter sido musa às diversas mentes ao longo do tempo, Hipácia poderia ser chamada de a "mãe dos pais da ciência moderna", como Copérnico, Kepler, Galileu e Newton.


http://members.cox.net/jhaldenwang/Hypatia.htm

Dois grandes artistas brasileiros compuseram uma canção que aparentemente descreve as mulheres atenienses, mas que, na realidade, se refere às brasileiras da época da Ditadura Militar (1964-85), que suportaram a dor de maridos, filhos, demais parentes e amigos perseguidos, exilados, presos, torturados, assassinados ou desaparecidos. A fortaleza em aparente fragilidade e passividade acompanham as mulheres em geral desde a Antiguidade:

MULHERES DE ATENAS
Chico Buarque - Augusto Boal/1976
Para a peça Mulheres de Atenas de Augusto Boal

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas.


http://www.youtube.com/watch?v=MabbVn0Rlv4


Um Espírito comprometido com a Verdade



... as grandes verdades são eternas, (...) os espíritos adiantados tiveram conhecimento delas antes de virem encarnar na Terra...
(...)
Foi por haver professado esses princípios que Sócrates foi inicialmente ridicularizado, depois, acusado de impiedade e condenado a beber cicuta, um veneno. Tanto isto é certo que as novas grandes verdades, ao levantarem contra si os interesses e os preconceitos que elas contrariam, não podem ser estabelecidas sem lutas e sem fazer mártires.

(Allan Kardec sobre as passagens XI e XXI do resumo da Doutrina de Sócrates e Platão, na Introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Trad. Albertina Escudeiro Sêco. Rio de Janeiro: 1866/2001, CELD, pp. 45 e 48)


A Morte de Sócrates (1787), de Jacques-Louis David.
Sócrates de Atenas (c.469-399 a.C.) foi o principal mártir das Grandes Verdades que antecedeu Hipácia. Acusado de "desvirtuar" os antigos costumes atenienses, foi condenado e forçado a beber cicuta (erva extremamente venenosa).

Duas Reencarnações conhecidas de


Hipácia de Alexandria (c.350-415)



Giordano Bruno (c.1548-1600) 
Frade dominicano e astrônomo italiano. Queimado em Roma pela Inquisição por se recusar a negar suas pesquisas, como a defesa do heliocentrismo de Copérnico (o sol como o centro do nosso sistema planetário) e a infinidade tanto do Universo quanto dos mundos além da Terra.

Annie Besant (1847-1913) 
Erudita, escritora e oradora teosofista inglesa. Lutou pelos direitos das mulheres e trabalhadores. Ajudou a fundar a Ordem da Rosa Cruz (entidade espiritualista). Viveu e desencarnou na Índia, onde chegou a ser presidente do Congresso Nacional daquele país (na época, colônia britânica). Lá relembrou suas vidas passadas e foi grande divulgadora da reencarnação.

Fonte: Guerrilheiros da Intolerância, de Hermínio C. Miranda. Ed. Lachâtre.

A fim de entendermos melhor o mundo em transição em que viveu Hipácia, vejamos os seguintes temas abaixo:

Alexandria no Vórtice da História



Centro antigo da atual Alexandria à beira do Mediterrâneo.

Após ser governado por regentes nativos por milênios, o Egito passou por muitas mãos estrangeiras no final da Antiguidade. O último faraó, Psamético III, foi destronado em 525 a.C pelos persas do Império Aquemênida. 


 Gravura de antigo selo persa representando o faraó Psamético III, da 26ª dinastia, sendo capturado pelo Imperador Cambises II da Pérsia. Segundo o historiador heleno Heródoto, Psamético foi executado em Susa (no atual Irã) por envolver-se numa rebelião contra Cambises. 

Em 332 a.C., foi a vez do invencível Alexandre, o Grande, receber as terras do Nilo sem precisar lutar por elas. Alexandria foi uma das diversas cidades homônimas fundadas por ele durante sua campanha para conquistar o mundo conhecido.

Antiga escultura de Alexandre, o Grande ou Magno (356-323 a.C.) sob a estética helenística. Alexandre, com apenas 30 anos, conquistou um vasto império, que se estendia do Mar Iônio (entre Grécia e Itália) ao Himalaia.

Faleceu na Babilônia, aos 32 anos, mas foi sepultado tempos depois em Alexandria do Egito. O mausoléu de Alexandre ficava próximo a famosa Biblioteca. Originalmente o corpo jazia em um sarcófago de ouro maciço, mas na época de Cleópatra ele era de vidro ou alabastro, porque o tio-avô dela, Ptolomeu IX Latiro, fez a troca, pois precisava do precioso metal para restabelecer os fundos reais (cunhar moedas), fato que instigou a revolta popular e custou a vida dele. Após o reinado do imperador romano Caracalla (falecido em 217), o paradeiro do sarcófago e dos restos mortais de Alexandre é desconhecido.

Tornou-se o principal centro comercial e cultural helenista do Oriente por séculos. Em 30 a.C., os romanos tomaram posse do Egito com a morte de Marco Antônio e Cleópatra VII.


A letra "A" indica a cidade de Alexandria (foto de satélite).

Em 285 d.C., com enormes dificuldades para manter os vastos domínios, o imperador Diocleciano dividiu pela primeira vez o império em Leste e Oeste, para que cada parte fosse regida por um ou mais imperadores. O Egito era uma colônia ou província pertencente ao Império do Leste ou Oriental. 

Em 330, Constantino, o Grande, fundou a cidade de Constantinopla (atual Istambul, Turquia), que se tornaria a capital da Roma Oriental. Como a mesma cidade era chamada pelos gregos antigos de Bizâncio, no período medieval o império passou a ser chamado de Império Bizantino, onde a língua mais usada era o grego e não mais o latim.
O século IV foi a última fase do período áureo de Alexandria. Após o Édito de Milão, em 313, cessaram-se as perseguições aos cristãos. 

Em 391, quando o cristianismo passou a ser a religião oficial dos romanos, a tolerância religiosa terminou. As autoridades cristãs passaram a perseguir violentamente os gentios e demais pessoas consideradas hereges, a exemplo dos cristãos seguidores do arianismo (doutrina do clérigo Ário de Alexandria, que negava a Santíssima Trindade, ou seja, não aceitava Jesus Cristo como sendo Deus, mas apenas o principal enviado Dele). 

Em todas as cidades romanas diversos templos e ídolos pagãos foram destruídos. É provável que a inestimável Biblioteca de Alexandria tenha sido incendiada nesse período.


Busto do deus Serápis no Museu Greco-romano de Alexandria.
O culto à principal divindade pagã do Egito helenizado, institucionalizado por Ptolomeu I Sóter, personificava o sincretismo entre dois antigos deuses egípcios: Osíris e Ápis. A perseguição cristã a essa religião pagã, no séc. IV, culminou com a destruição do templo desse deus.




Alexandria Hoje

Mapa de Alexandria na época de Hipácia.


Os Inestimáveis de Alexandria: A Biblioteca e o Farol

Alexandria foi fundada sobre uma antiga e pequena cidade portuária egípcia chamada Rhacotis ou Râ-Kedet. Por volta de 331 a.C., Alexandre confiou o projeto ao arquiteto grego Dinocrates de Rhodes, pois desejava superar a cidade de Naucratis (situada no interior, ao Sudeste) como sede do helenismo no Egito, além de melhor ligar a Grécia ao Vale do Nilo. Logo após a inauguração da cidade, Alexandre partiu para só retornar morto, trasladado por um dos seus ex-generais e novo regente do Egito: Ptolomeu I Sóter. Iniciou-se, assim, a dinastia ptolomaica, que terminou com a famosa Cleópatra.


Antigo busto de Cleópatra VII Filopator (c.69-30 a.C.) do Museu Altes, Berlim.
Apesar de egípcia, possuía a fisionomia grega, pois era descendente de macedônios e gregos. Teve filhos com os generais romanos Júlio César e Marco Antônio. Suicidou-se com o último, após perder o Egito para o exército comandado pelo futuro imperador Otávio Augusto.

Casamentos eram entre parentes próximos, por vezes entre irmãos, como ocorreu com Cleópatra, segundo costume faraônico (casou-se oficialmente com dois irmãos, Ptolomeu XIII e XIV). Sobre a matéria da "Isto é" http://istoe.com.br/10737_CLEOPATRA+ERA+NEGRA/ , que afirma que Arsinoe, irmã de Cleópatra, era negra, não há 100% de certeza de que a ossada descoberta é mesmo dela. Há a teoria também de que a mãe biológica dessa ou de ambas era uma escrava ou concubina negra ou mestiça. De qualquer forma, NÃO há mal nenhum na possibilidade da última rainha do Egito ser negra.

Mais informações sobre Cleópatra e Alexandria: 
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/verdade-historia-cleopatra-691558.shtml

Vestígios arqueológicos: pilar romano de Pompeu e esfinge ptolomaica. O pilar, erguido por Diocleciano (244-311), implacável perseguidor dos cristãos, marca o exato local onde ficava o Serapeum.

Além de ter sido um dos maiores centros urbanos, comerciais e culturais helenísticos do Mundo Antigo, Alexandria concentrou a maior comunidade judaica fora de Israel. Nela foi escrita a Septuaginta, a tradução grega da Bíblia Hebraica (recebeu esse nome por ter sido produzida por 70 rabinos, entre o séc. III a.C. e I d.C.).


Ruínas de anfiteatro romano em Alexandria.

Real ou Antiga Biblioteca de Alexandria foi fundada por volta de 288 a.C., durante o governo dos dois primeiros regentes da dinastia ptolomaica. Teria sido inicialmente organizada por Demétrio de Faleros, discípulo de Aristóteles. O edifício, seguindo o modelo do Liceu do mais ilustre aluno de Platão, teria jardins; refeitório; dormitórios; espaço peripatético (método aristotélico, no qual as pessoas lecionavam e aprendiam caminhando) e salas de leitura, aula, arquivo e reunião. Copistas reproduziam livros (em papiros) vindos de outros locais como Rhodes e Atenas. Estima-se que a biblioteca chegou a armazenar 300 mil rolos de obras sobre diversas áreas do saber como matemática, astronomia, física, ciências naturais, retórica, lógica e poemas homéricos.


A Biblioteca de Celso, em Éfeso (litoral oeste da atual Turquia), foi concluída em 135 d.C. em homenagem ao senador, cônsul e governador romano da Ásia: Tibério Júlio Celso Polemeno. O filho de Celso, Caio Júlio Aquila, foi o responsável pela construção do edifício (também mausoléu do pai), cujas ruínas servem de referência para se ter uma ideia sobre como era a arquitetura da Biblioteca de Alexandria.

Não se sabe exatamente como a biblioteca desapareceu. Possivelmente a destruição aconteceu em locais e etapas distintas, pois havia mais de um edifício: a biblioteca matriz e a filial. Há quatro teorias: 
1ª- O incêndio acidental, ordenado por Júlio César, em 48 a.C.; 
2ª- O ataque de Aureliano à cidade no séc. III; 
3ª- A destruição do Serapeum (templo do deus Serápio) ordenada por Teodósio I em 391; 
4ª- A conquista dos árabes islâmicos em 641.


Tapeçaria medieval representando um exército muçulmano (à esquerda) sitiando uma cidade cristã.
Umar ou Omar ibn al-Khattab (c.586-644) foi conselheiro de Maomé e o segundo regente do Califado Rashidun (império islamita surgido após a morte do profeta). Após tomar Alexandria, em 641, graças ao general Amr ibn al-As, o califa teria justificado o "inevitável" incêndio da Biblioteca dizendo: Se ela contém apenas o que existe no Alcorão, é inútil; portanto, deve ser queimada. Se contém outra coisa, é má; portanto, ainda é preciso queimá-la.

A filósofa Hipácia teria presenciado o fim do seu caro centro de saber no caso da terceira hipótese. Entretanto, a lógica nos diz que todas contribuíram para o desaparecimento completo da construção.


Gravura moderna sobre o interior da Biblioteca.

Contudo, dificilmente todas as obras viraram cinzas. Ao longo do tempo, diversos papiros foram levados para outros locais, de modo que na Idade Média haviam cópias de textos alexandrinos em abadias da Europa, Oriente Médio e Norte da África. E assim, parte do saber daquela época chegou a nós.


 
 
Fotos da Atual Biblioteca. Projeto do escritório de arquitetura norueguês Snøhetta.

Farol de Alexandria foi uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Situava-se na Ilha de Faros, à entrada do porto da cidade, para servir de referencial aos navegantes. Devido ao nome da ilha, todas as construções com o mesmo objetivo são chamadas de "farol".


Simulação digital do Antigo Farol.

O encarregado da construção, por ordem de Ptolomeu I Sóter (responsável também por outra maravilha, o Colosso de Rhodes), entre 280 e 247 a.C., foi o arquiteto heleno Sóstrato de Cnido. Tinha entre 120 e 140 metros de altura, sendo por séculos, juntamente com as grandes pirâmides do Egito, a mais alta construção do mundo.

Estabelecia-se sobre uma base quadrada, a qual era superada por uma torre octogonal de mármore. Acima dessa torre, em um nicho protegido, encontrava-se a chama, que era acesa diariamente. No topo estava uma estátua do deus Poseidon.


Gravura hipotética sobre o Farol.

Os materiais utilizados foram belas pedras de granito clara, com revestimento de mármore e calcário. Uma liga reforçada com chumbo derretido e uma forma arcaica de cimento, baseada na mistura de resina com calcário, uniam os blocos. Na parte referente à chama, o ambiente era tomado por espelhos, e acredita-se que também de chumbo, servindo para refletir a luz, que podia ser vista a 50 quilômetros de distância.

Terremotos danificaram severamente o farol - em 956, 1303 e 1323 - levando a sua desativação e posterior ruína. Em 1477, as pedras originais que restaram foram utilizadas na construção de um forte islâmico pelo sultão Qaitbay, edifício que permanece até hoje no lugar do Farol de Alexandria.


Forte Qaitbay.

Em 1994, descobriram, submersos no Mar Mediterrâneo, restos arqueológicos que compreendiam blocos de pedra e estátuas do farol.








Ruínas, esculturas e demais artefatos submersos foram descobertos há pouco tempo em Alexandria. Algumas das seções mais interessantes da magnífica cidade, incluindo o Palácio de Cleópatra, na Ilha de Antirhodos, ficaram submersas no Mediterrâneo por causa de um grande terremoto no século V.

Fonte: http://misteriosdomundo.com/9-cidades-submersas-incriveis-mundo

A queda de Roma

Em 476, o Império Ocidental ou do Oeste desapareceu, quando Roma foi invadida por bárbaros hérulos (tribo germânica aliada dos romanos) liderados pelo general Odoacro, que destronou o último imperador ocidental, Rômulo (um adolescente). A partir daí, sinaliza-se o início da Idade Média.

No século VII, apareceu o islamismo fundado pelo profeta Maomé ou Mohamed. Na mesma época, o Egito, como demais territórios, foi tomado dos bizantinos pelos poderosos exércitos árabes ou muçulmanos (a religião oficial do Egito ainda é o Islã). 

Em 1453, o último resquício do Império Romano, Constantinopla, caiu nas mãos dos otomanos. O último imperador bizantino, Constantino XI, morreu em batalha defendendo corajosamente a cidade. A queda de Bizâncio representa o fim do período medieval e o início da Idade Moderna com o Renascimento.

Os Últimos Imperadores


 Antiga moeda com a efígie do último regente romano do Ocidente: Rômulo Augusto ou Augustolo ("Pequeno Augusto", em latim) (c.460-c.500). 
Tinha apenas 12 anos quando subiu ao trono e cerca de 14 ou 16, quando foi deposto por Flávio Odoacro (c.433-493), que apesar de ordenar a execução do general e político Orestes (pai de Rômulo), o bárbaro preferiu poupar a vida do "imperador menino". Após o fato, nada se sabe do paradeiro de Rômulo, que portava o mesmo nome do mitológico fundador da cidade de Roma. Curiosamente, Odoacro recusou o título imperial e preferiu ser apenas rei da Península Itálica. 

Escultura contemporânea de Constantino XI Palaiologos (1404-53) em Atenas (Grécia).
Descendente de lordes da Macedônia, conterrâneos de Alexandre Magno, o último imperador romano do Oriente ou Bizâncio presenciou Constantinopla cair nas mãos do recém-criado Império Otomano do jovem Sultão Mehmed II (1432-81), de 21 anos. Após desfazer-se de suas vestes imperiais, o valente Constantino XI misturou-se ao exército para morrer junto aos seus fiéis soldados. Dizem que o corpo, bastante mutilado, só foi reconhecido pelas botas púrpuras (cor que apenas os imperadores romanos podiam usar).


Entrada de Mehmed II em Constantinopla (1876), de Jean-Joseph Benjamin Constant.

Após o fim

O estudo do "mundo medieval" que normalmente conhecemos está voltado à Europa. Porém, ressaltamos que o modo de vida e a evolução intelectual dos povos eram bastante distintos, e até mais desenvolvidos, em algumas outras partes do globo. Em algumas regiões do Oriente, o saber pré-cristão não foi eclipsado pelo ascetismo católico.

Vamos rever resumidamente como a civilização ocidental, européia, se ergueu dos escombros do Império Romano.

Mapa (em inglês) dos últimos séculos do Império Romano sobre as invasões dos principais povos ditos bárbaros.

Desde o princípio das massivas invasões bárbaras, muitos nobres, políticos, generais, ricos comerciantes e demais membros da elite do Império, dividido e em declínio, já evadiam-se das cidades para suas propriedades fortificadas (castelos) no campo. Junto com eles, em busca de proteção e trabalho, foram multidões de religiosos, servos (ou vassalos) e demais plebeus (soldados, funcionários, artesãos, agricultores etc.).

A partir do fim das guerras romanas de conquista ou expansionistas, o trabalho escravo cedeu lugar à servidão. Aos poucos, as pessoas deixaram de dar ênfase ao aspecto urbano-comercial para voltarem-se às atividades rurais de subsistência: principal característica da primeira fase da Idade Média.


As ruínas do Caerlaverock, erguido no séc. XIII na Escócia, são vestígios de um típico castelo medieval com torres e fosso.

A Grã-Bretanha Medieval:
a lenda do Rei Arthur brotou dos "escombros de Roma".

Quando o Império Romano estava desmoronando, as tropas imperiais saíram da Britânia (onde hoje estão Inglaterra e País de Gales) em 409. Os habitantes da ilha ficaram praticamente indefesos. Os bárbaros pictos, vindos da Escócia, representavam a maior ameaça. Para rechaçar as pilhagens e invasões, os anglo-britânicos latinizados (adeptos do cristianismo romano) contrataram bárbaros do continente europeu para combater os bárbaros escoceses. Esses soldados mercenários foram os saxões, povo germânico do noroeste da atual Alemanha. Eles combateram com eficiência os pictos. Entretanto, vendo que as terras inglesas eram muito boas, resolveram ficar por lá para dominar todo o país (também miscigenaram-se com o povo local).


Estátua de 1899 de Alfredo, o Grande (849-899) em Winchester, Inglaterra.
A religião do grande rei era o cristianismo calcedoniano.

Séculos se passaram e veio a invasão dos vikings (diversos povos escandinavos). O rei que melhor soube combatê-los foi Alfredo, o Grande (século IX), rei de Wessex, ao sul da atual Inglaterra. Ele também soube valorizar a língua e demais aspectos da cultura local. Considerado um bom rei, foi o primeiro unificador da Grã-Bretanha (que só seria chamada assim no século XVIII). É possível que as histórias fictícias de Arthur, o lendário monarca que unificou a ilha britânica, tenham sido inspiradas em Alfredo, além de diversos outros heróis anglo-saxões mais antigos, do período pós-romano (séculos V e VI) e lendas célticas bem mais antigas.

(Texto de Gustavo A. de Medeiros, com adições).   

Enraizaram-se, pois, os senhores e seus feudos, cada qual com moedas, medidas e leis próprias. Os senhores estavam ligados aos reis (alguns descendentes de famílias de poderosos nobres, políticos, militares romanos e regentes bárbaros) que simbolizavam a identificação cultural de certa nação ou território.

Contudo, tais reis não tinham ainda o poder absoluto, visto que vários feudos eram “reinos dentro de reinos”. Na maior parte da Europa, a atribuição político-militar-administrativa aos poucos foi sendo distribuída aos diversos setores da nobreza e do alto clero.

Desde tempos imemoriais, e em diversas culturas, existiram divisões sociais que produziram "grupos ou classes privilegiadas e organizadas em hierarquias". A antiga sociedade romana era geralmente dividida entre "patrícios" e "plebeus". Os primeiros eram considerados membros, descendentes e herdeiros de distintas e tradicionais famílias de Roma, e formavam uma minoria privilegiada que, geralmente, dominava e governava a maioria da população: os segundos. A partir da coroação de Otaviano ou Otávio Augusto, em 27 a.C., o primeiro imperador romano de fato, Roma deixou de ser República e passou a ser Império, o que cimentou o conceito de monarquia e aristocracia na cultura ocidental.

As nações ocidentais herdaram diversos aspectos da extinta Roma Antiga, os nobres ou aristocratas passaram a ser os "novos patrícios".

O título de príncipe veio da conceito latino: princeps (o primeiro). Era dado pelo Senado Romano para distinguir um senador dos outros, em determinados períodos da história de Roma, a fim de que este fosse considerado o mais ilustre e pudesse, desta forma, obter poderes políticos maiores do que os outros, uma espécie de chefia. A partir da Idade Média, um príncipe poderia ser o regente de uma nação ou território, semelhante um rei ou imperador.

No período medieval, surgiram os duques (da palavra romana, dux: "líder", dada a chefes militares sem hierarquia oficial, a exemplo dos celtas que lutaram ao lado de César na Gália; senhores de ducados: possessões de nobres de posição logo abaixo de reis e príncipes), marqueses (administradores dos marcos: regiões de fronteira), condes (do latim comes: "companheiro", após o imperador romano Antêmio, no século V, o título designava os militares defensores da fronteira do Danúbio; chefes de condados: territórios, geralmente conquistados, próximos aos reinos), barões (do latim tardio baro, que significa "servo", "guerreiro" ou "soldado mercenário"; donos de baronias:  espécies de feudos), cavaleiros (senhores feudais militares com título de nobreza) etc.

Mais tarde surgiram os "prefixos de superioridade ou inferioridade" na hierarquia das aristocracias e clero, que os diferenciavam entre si, como grão-duque, arquiduque, arcebispo, visconde etc.

Aos poucos, sobretudo a partir do século XII, o desenvolvimento do comércio entre as nações, inclusive com o Oriente, e a maior ênfase à vida urbano-cosmopolita, foram sendo restabelecidas.

No Renascimento (século XV-XVI), a luz da cultura greco-romana dispersaria definitivamente as sombras medievais.

Vejamos o que começou a ser divulgado nessa época para diversas pessoas:

As Ruínas do Helenismo e o Período Greco-romano

Depois de mais de 600 anos, entre o século IV e V, a última escola de pensadores ligados à cultura grega sinalizava franca decadência. Os períodos helenístico e greco-romano (a filosofia ocidental começou a sofrer influências do cristianismo no último) chegariam ao fim no século VI.


Vênus de Milo (c.130-100 a.C.).
Exemplo de beleza helenística.


Davi (1504), de Michelangelo. 
O escultor renascentista herdou a estética greco-romana.

O helenismo iniciou-se após a conquista da Grécia, em 322 a.C., pelos macedônios de Alexandre Magno ou o Grande. a expansão do Império Macedônio possibilitou a interação da cultura grega clássica com a dos povos orientais conquistados.

A produção filosófica continuou nas atividades das escolas platônicas (Academia) e aristotélica (Liceu). A antiga liberdade política do cidadão grego, exercida na autonomia de suas cidades, é desfigurada pelo domínio macedônico (característica que continuaria durante a hegemonia romana).


Uma Leitura de Homero (c.1885), de Lawrence Alma-Tadema.

O Poeta Favorito (1888), de Lawrence Alma-Tadema.

Safo e Alceu (1881), de Lawrence Alma-Tadema.


Cena em Pompéia ou A Sesta (1868), de Lawrence Alma-Tadema.


A Doce Sesta de um Dia de Verão (1891), de John William Godward.



Fídias exibindo o Friso do Parthenon aos Amigos (1868), de Lawrence Alma-Tadema.

Uma Galeria de Esculturas (1867), de Lawrence Alma-Tadema.


A Galeria de Esculturas (1874), de Lawrence Alma-Tadema.


Um Amante da Arte Romana (1868), de Lawrence Alma-Tadema.


Um Amante da Arte Romana (1870), de Lawrence Alma-Tadema.


Uma Pinacoteca no Tempo de Augusto (1867), de Lawrence Alma-Tadema.


Uma Galeria de Pintura (1866), de Lawrence Alma-Tadema.


A Galeria de Pintura (1874), de Lawrence Alma-Tadema.


Pintura em Cerâmica (1871), de Lawrence Alma-Tadema.


Interior da Casa de Caio Márcio (Coriolano) (1901), de Lawrence Alma-Tadema.


Canção de Escravo (1884), de Henryk Siemiradzki.


Na Recepção de Mecenas (1890), de Stefan Bakalovich.

As pinturas retratam seis artes muito apreciadas no cotidiano da Grécia e Roma clássicas: poesia, música, escultura, pintura, cerâmica e arquitetura.

Portanto, substituiu-se a preocupação quanto à vida pública pela reflexão filosófica sobre a vida privada, as preocupações individuais, a intimidade, o interior do homem. Formulam-se, assim, diversos modelos de conduta como "a arte de viver" e "filosofias de vida". Os filósofos preocupam-se em dar aos indivíduos alguma paz de espírito e felicidade interior frente às atribulações e incertezas da vida social da época.


Antigo busto de Epicuro (324-271 a.C.). 
O epicurismo propõe que o indivíduo busque o prazer, a fim de torná-lo feliz. Porém, tal filosofia não deve ser confundida com o hedonismo, pois o epicurista, diferente do hedonista, deve saber distinguir e controlar a fruição dos gozos, a fim de não gerarem efeitos contrários: dor e sofrimento. Uma reflexão que poderia ser retomada em nossos tempos atuais de consumismo desenfreado.

polis (cidade, em grego) deixou de ser o centro político e a referência espacial dos filósofos. Após as Guerras Púnicas, iniciadas em 264 a.C., a Grécia foi assimilada pelo Império Romano. O mundo era a “nova polis” e o filósofo, como afirmou o cínico Diógenes, o cidadão do mundo, ou seja, cosmopolita (de cosmos, mundo). Foi a época dos grandes sistemas ou doutrinas totalizantes sobre a Natureza: a ordem universal é instaurada e conservada por uma providência divina.

Em tempos de domínio romano, o filósofo helenístico ou greco-romano também não pode mais se ocupar diretamente com a política. Assim sendo, preocupou-se com a ética, física, teologia e religião. A vasta expansão romana permitiu que os helenísticos intensificassem seu contato com o transcendentalismo oriental, a exemplo do zoroastrismo.


Alto-relevo nas ruínas de Persépolis (no atual Irã) representando Ahura Mazda: deus supremo do Zoroastrismo, que personifica o Bem puro.
Também chamado de masdeísmo, mitraísmo ou parsismo, é uma religião monoteísta fundada na antiga Pérsia pelo profeta Zaratustra (séc. XVIII ou VI a.C.), a quem os gregos chamavam de Zoroastro. É considerada como a primeira manifestação de um monoteísmo ético.

Esses foram os períodos de quatro grandes sistemas: estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo. Hipácia devotou-se, sobretudo, ao último. Os mais conhecidos nomes foram Epicuro, Zenão de Cício, Pirro de Élida, Diógenes, Sêneca, Cícero, Plotino e Plutarco.

Diógenes (1882), de John William Waterhouse.

Diógenes em seu Tonel (1860), de Jean-Léon Gérôme.

Diógenes, o Cínico ou de Sínope (c.412-323 a.C.) foi o principal filósofo do cinismo. A palavra "cínico", do grego kynikos, significa "como um cão". Os cínicos buscavam viver sem qualquer propriedade ou conforto, livres como os cães das cidades. Levavam ao extremo à filosofia socrática: conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais. Diógenes era chamado de "o Sócrates demente ou louco", pois questionava os valores e convenções sociais. Vivia conforme os princípios que considerava corretos. Diziam que residia em um grande tonel, pedia esmolas às estátuas (pois preferia ser ignorado por elas, do que por pessoas que podiam ver e ouvir) e carregava uma lanterna simbolizando sua busca por um homem moralmente correto. Ao ser perguntado pelo poderoso Alexandre Magno, que estava em frente ao seu tonel, sobre o que poderia fazer por ele, Diógenes apenas pediu-lhe para que "saísse da frente do seu sol." De certa forma, foi um dos primeiros ascetas que antecipou algumas normas de conduta seguidas por certos santos cristãos como Antão do Egito, Bento de Núrsia e Francisco de Assis.  

O crescimento veloz do cristianismo passou a "dissolver" o pensamento clássico, chamado de pagão (não-cristão). Não havia mais a necessidade da investigação filosófica e científica sobre a verdade, pois ela já havia sido revelada (na Bíblia cristã) e devidamente interpretada pelas autoridades da Igreja (o monopólio do saber).

A filosofia pagã para alguns teóricos cristãos era o caminho da perdição. A salvação da alma só poderia ser conseguida através da fé em Cristo. Os pensadores mais intransigentes dos séculos III e IV foram os padres apologistas (de "apologia", que em grego significa "defesa verbal"), destacando-se Orígenes, Justino e Tertuliano. Este último, o maior inimigo dos pagãos greco-romanos.


Retrato moderno de Tertuliano de Cartago (c.160-c.220). 
Expôs um dos mais antigos modelos sobre a Santíssima Trindade. Apesar de ter defendido o cristianismo severamente, suas ideias foram consideras hereges por algum tempo e depois aceitas pela Igreja Ortodoxa.

O jovem pagão Agostinho de Hipona, contemporâneo de Hipácia, entrou em contato com os neoplatônicos espalhados por diversas cidades romanas. Porém, sua inquietação na busca pelo sentido da vida só terminou quando se converteu ao cristianismo.

O Flagelo Cristão

... o nosso Deus não era um só. Os nossos deuses eram melhores, nos davam caça, água pura, nos livravam de doenças e feras, não pedia que trabalhássemos seis dias e descansássemos apenas um. Eles eram mais criativos, criavam flores e frutos saborosos, nos pediam adoração com muitas comidas e festas, e não com lamentos, tristezas e cruzes a serem carregadas em nossas costas; nos ensinavam a usar os metais e as pedras preciosas como adorno e decoração; não nos deram a malícia e a cobiça para dizimarmos mundos e pessoas, pela posse desses materiais naturais. Eles se manifestavam através de nossos sacerdotes (pagés), que eram possuidores de poderes místicos, que curavam as doenças e feridas de nosso povo e davam orientação espiritual, sem vender indulgências, nem pedir doações.

(Trecho do artigo de Bartolomeu Alberto Neves, escritor e pres. da Unidade Cósmica Evolutiva, no jornal Prana, Rio de Janeiro: setembro de 2011, p. 4)



O texto acima é uma crítica ao lado negativo das igrejas cristãs, sob o ponto de vista dos povos pagãos do Novo Mundo (nativos das Américas).

Semelhante aos índios americanos, os gregos antigos possuíam certa consciência ecológica de acordo com a mitologia deles:

... as ninfas dos bosques, chamadas Dríades ou Hamadríades, morriam, segundo se acreditava, com as árvores que lhes serviam de morada e juntamente com as quais nasciam. Constituía, portanto, uma impiedade destruir uma árvore e, em alguns casos graves, tal ato era severamente punido [...].


[BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia. Trad. David Jardim Júnior. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, 26ª ed., cap. XXII, p. 206] 

Neste sentido, homens modernos enalteceram aspectos positivos do paganismo postos de lado pelo racionalismo científico e pelo cristianismo institucional, a exemplo da concepção holística do universo:

Um aspecto sedutor do paganismo era o de creditar à iniciativa de uma divindade cada fenômeno da natureza. A imaginação dos gregos povoava todas as regiões da terra e do mar de divindades, a cuja diligência atribuíam os fenômenos que nossa filosofia considera como conseqüência das leis naturais. Às vezes, em nossos momentos de poesia, sentimo-nos inclinados a lamentar a mudança ocorrida, e a achar que, com a substituição, o coração perdeu tanto quanto o cérebro ganhou. O poeta Wordsworth manifesta, de maneira bem enérgica, tal sentimento.

Oxalá um pagão ainda eu fosse,
Por velhas ilusões acalentado.
A paisagem seria bem mais doce
E o mundo muito menos desolado.


[Op. cit.]

O Crepúsculo dos Deuses e Heróis:
os deuses dos pagãos estão mortos, o deus dos cristãos ressuscitou!

O arquétipo de uma divindade que se sacrifica por afeição aos mortais não é exclusivo da cultura judaico-cristã, que nos deu a ideia do cordeiro imolado no tabernáculo. Os gregos antigos conceberam, em suas fábulas que correspondem ao livro do Gênesis, a figura de Prometeu.

            Prometeu era um dos titãs, uma raça de gigantes que habitava a terra antes da criação do homem. Ele e seu irmão Epimeteu foram incumbidos de fazer o homem e de dotá-lo, bem como a todos os outros animais, das faculdades necessárias à sua preservação. [...] Entretanto, Epimeteu foi tão generoso ao distribuir seus recursos que, quando chegou o momento de prover o homem com faculdades que o fizessem superior a todos os outros animais, nada mais havia sobrado para legar-lhe. Perplexo, recorreu ao irmão Prometeu, que, com o auxílio de Minerva, subiu ao céu e acendeu a sua tocha na carruagem do sol, e trouxe o fogo para o homem. Com esse dom o homem tornou-se muito mais capaz que os outros animais. O dom deu ao homem a possibilidade de criar armas com as quais pôde subjugar os outros animais, instrumentos para cultivar a terra, para aquecer sua morada, para que se emancipasse em relação às variações climáticas, e, finalmente, para criar a arte cunhar moedas, os meios para realizar negócios e o comércio.
[BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Trad. Luciano Alves Meira. São Paulo: Martin Claret, 2006, cap. II, p. 30]
O feito do titã, que deu aos mortais o desenvolvimento tecno-intelectual, corresponde ao ministério de Cristo, que concedeu aos homens o desenvolvimento espiritual e moral. Segundo as igrejas cristãs, Cristo teve que ser crucificado para que os homens fossem libertados do pecado original (podemos comparar, nesse contexto, o consumo do fruto proibido do Éden com o fogo roubado dos deuses gregos). Prometeu, contudo, encontrou sua cruz no bico e garras de uma ave.
Prometeu tem sido um dos temas preferidos dos poetas. Ele é representado como o amigo da humanidade, aquele que por esta intercedeu quando Júpiter [ou Zeus] estava enfurecido contra os homens, aquele que também a ensinou a civilização e as artes. Porém, ao fazê-lo, Prometeu transgrediu a vontade de Júpiter, atraindo para si a ira do governante dos deuses e dos homens. Júpiter ordenou que Prometeu fosse acorrentado a um rochedo do monte Cáucaso, onde um abutre lhe comia o fígado, que se regenerava assim que era devorado. Esse estado de tormenta seria suspenso no instante em que Prometeu se submetesse voluntariamente ao seu opressor; isso porque ele tinha a posse de um segredo que envolvia a instabilidade do trono de Júpiter, e se estivesse disposto a revelá-lo, poderia ser finalmente favorecido. Mas Prometeu desdenhou dessa hipótese, e desde então se tornou o símbolo da resistência magnânima ao sofrimento imerecido, e da força de vontade que resiste à opressão.
[Op. cit., pp. 35-36, com adição]

Prometeu acorrentado (c.1640), de Jacob Jordaens.

O titã grego, no entanto, foi supliciado pela Divindade Suprema, já o Cristo pereceu nas mãos ingratas de homens que oprimiam seus semelhantes e desejavam manter tal estado. Como Prometeu perante Júpiter, o Nazareno não abandonou a sua nobre causa diante dos déspotas humanos. De acordo com algumas versões da fábula, Héracles ou Hércules libertou Prometeu dos grilhões, o que corresponderia a uma espécie de ressurreição, após a crucificação.

Grécia e Roma (Península Itálica) foram os locais mais visados pela divulgação do cristianismo durante os primeiros séculos. A lenda de Prometeu sempre esteve viva nessas sociedades, sobretudo nos centros de debate filosófico.

É possível que, mesmo de forma subliminar, as analogias acima tenham sido feitas entre a audiência gentia, sobretudo da Grécia e Roma, e pregadores cristãos.

Outros heróis também foram supliciados e depois reviveram, como o próprio Hércules. Este também foi marcado pelo emblemático número "doze": doze foram os árduos trabalhos de Hércules (donde originou-se o adjetivo "hercúleo"), doze foram os apóstolos do Cristo.

Em um dos seus labores sobre-humanos, Hércules desceu ao Hades (mundo dos mortos), quando aproveitou para trazer de volta à vida um amigo (Teseu). A façanha poderia ser comparada à ressurreição de Lázaro por Jesus (João 11:43-44).

Outro feito diz que impediu que Alceste, esposa do rei Admeto, morresse agarrando à força a própria Morte antes que essa levasse a alma da rainha. Quanto a isso, poder-se-ia fazer uma vaga alusão à façanha de Cristo ressuscitando a filha de Jairo (Marcos 5:42 e Lucas 8:54-55).

O herói grego não foi o único semideus com essa capacidade. Esculápio, médico e filho do deus Apolo, possuía tamanha habilidade de curar que podia até ressuscitar os mortos, como o "Médico dos Médicos" dos cristãos.

Alto-relevo representando Hércules com sua clava e a pele do Leão da Neméia (espólio de seu 1º trabalho).

Semelhante ao Cristo, Hércules foi traído (não intencionalmente, neste caso) por um dos seus (a ciumenta esposa Dejanira embebedou o manto do marido com o sangue venenoso de um centauro, pois pensava que a substância era uma espécie de poção do amor eterno). Contudo, o fim dele não foi a crucificação e o sepultamento, mas, segundo o costume greco-romano, as chamas de uma pira funerária.

Acima de tudo, esse herói possuía igualmente uma dualidade humana e divina e, após a morte de sua natureza carnal, alçou aos céus com o auxílio do pai celestial, Zeus ou Júpiter, quem fecundou o útero de Alcmena, uma mulher mortal, neta de Perseu e Andrômeda (algo parecido com o Espírito Santo, que engravidou a Virgem). 

Assim esclarece o rei dos deuses do Olimpo ao resgatar o filho da morte terrena: ... Aquele que a tudo venceu não há de ser conquistado por aquelas chamas que queimam no topo do monte Eta. Só a parte de sua mãe que está nele pode perecer; aquilo que ele recebeu de mim é imortal. Eu o trarei morto da terra para as praias celestiais [...] [Op. cit., cap. XIX, p. 200].

Um grande poeta alemão do romantismo, Schiller, enalteceu o semideus pagão com algumas palavras que poderiam servir ao semideus dos cristãos:

[...]
Todas as tormentas, todas as labutas da terra
[...]
Ele suportou com brilho, desde o seu nascimento
Para chegar a um final tão lamentável.

Até que deus, quando a parte terrestre já se fora,
Do homem, [...]
Deu-lhe de beber do mais puro ar do céu etéreo,
E alegre em sua nova leveza inesperada,
Soergueu-o até as alturas do brilho celeste,
E o negro e pesado fardo da terra perdeu-se na morte.

[Op. cit., pp. 200 e 201]

Essas analogias podem ter auxiliado bastante as conversões em prol do Cristo, um ser real. Longe de usar a violência da clava hercúlea, Jesus "conquistou o mundo" pacificamente e pregado numa cruz.


"Tudo o que o homem não conhece não existe para ele. Por isso, o mundo tem para cada um o tamanho que abrange o seu conhecimento".
Carlos Bernardo González Pecotche.
Nos tempos medievais, conceitos greco-romanos - além dos judaicos - foram redefinidos. A ideia de Céu, Inferno, Purgatório, anjos, demônios... foram baseados na mitologia pagã, já que desde tempos imemoriais os homens buscam entender para onde vão as almas, de bons e maus, após a morte física: 

Antes de a Ciência ter revelado aos homens as forças vivas da Natureza, a constituição dos astros, o verdadeiro papel da Terra e sua formação, poderiam eles compreender a imensidade do Espaço e a pluralidade dos mundos? Antes de a Geologia comprovar a formação da Terra, poderiam os homens tirar-lhe o inferno das entranhas e compreender o sentido alegórico dos seis dias da Criação? Antes de a Astronomia descobrir as leis que regem o Universo, poderiam compreender que não há alto nem baixo no Espaço, que o céu não está acima das nuvens nem limitado pelas estrelas? Poderiam identificar-se com a vida espiritual antes dos progressos da ciência psicológica? conceber depois da morte uma vida feliz ou desgraçada, a não ser em lugar circunscrito e sob uma forma material? Não; compreendendo mais pelos sentidos que pelo pensamento, o Universo era muito vasto para a sua concepção; era preciso restringi-lo ao seu ponto de vista para alargá-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade, e, embora sábia até então, não satisfaria hoje. O absurdo provém dos que pretendem poder governar os homens de pensamento, sem se darem conta do progresso das idéias, quais se fossem crianças. (Vede O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. III.).

[KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Trad. Manuel Justiniano Quintão. Rio de Janeiro: FEB, 2001, 1a parte, cap. III, 46a ed., pp.38-9]

Demônio:

Termo que proveio do grego, daimon: gênio, ente ou espírito guardião, conhecimento. Sócrates referia-se amigavelmente sobre seu "demônio" como mentor espiritual do Bem; 

Inferno: 

Em latim, infernus significa "subterrâneo" e está ligado ao termo grego Hades, mundo dos mortos em geral (nome também do deus que reina em seus domínios). No local mais profundo ficava o Tártaro: mundo dos mortos mausO pensamento cristão, então, passou a considerar o inferno apenas como sendo o Tártaro, já que as crenças pagãs, a partir da Idade Média, eram vistas como demoníacas.

Além do costume de se enterrar os cadáveres, a ideia de que tais locais estavam no subsolo é reforçada pela existência real de um dos rios "infernais" da Grécia: o Aqueronte, que em determinado trecho corre por debaixo da terra. Já a visão de um local muito quente com labaredas, pode ter sido influenciada observando as fendas ou crateras vulcânicas, onde fluxos de lava incandescente correm abaixo da terra.

Outra ideia veio da cultura judaico-cristã. O termo hebraico "Geena" refere-se ao Vale do Hinom, em Jerusalém: depressão fora das muralhas, onde eram despejados o lixo e cadáveres considerados impuros. Para os judeus, o Geena NÃO era como o inferno cristão, mas apenas uma espécie de cova, onde os mortos deveriam aguardar ser julgados no Juízo Final, ou seja, não ficariam pela eternidade (a ideia do purgatório cristão foi em parte baseada nessa crença).

Jesus usou a palavra "Geena", traduzida por "trevas ou fogo eterno", porém, no sentido do "inferno do arrependimento ou remorso" (ver Marcos 9; Mateus 5, 10, 18 e 23 e Lucas 12:5);

O inferno cristão imitado do inferno pagão

3. - O inferno pagão, descrito e dramatizado pelos poetas, foi o modelo mais grandioso do gênero, e perpetuou-se no seio dos cristãos, onde, por sua vez, houve poetas e cantores. Comparando-os, encontram-se neles - salvo os nomes e variantes de detalhe - numerosas analogias; ambos têm o fogo material por base de tormentos, como símbolo dos sofrimentos mais atrozes. Mas, coisa singular! os cristãos exageraram em muitos pontos o inferno dos pagãos. Se estes tinham o tonel das Danaides, a roda de Íxion, o rochedo de Sísifo, eram estes suplícios individuais; os cristãos, ao contrário, têm para todos, sem distinção, as caldeiras ferventes cujos tampos os anjos levantam para ver as contorções dos supliciados; e Deus, sem piedade, ouve-lhes os gemidos por toda a eternidade. Jamais os pagãos descreveram os habitantes dos Campos Elíseos deleitando a vista nos suplícios do Tártaro.

[...]

5. - As mesmas considerações que, entre os antigos, tinham feito localizar o reino da felicidade, fizeram circunscrever igualmente o lugar dos suplícios. Tendo-se colocado o primeiro nas regiões superiores, era natural reservar ao segundo os lugares inferiores, isto é, o centro da Terra, para onde se acreditava servirem de entradas certas cavidades sombrias, de aspecto terrível. Os cristãos também colocaram ali, por muito tempo, a habitação dos condenados.

A este respeito, frisemos ainda outra analogia: - O inferno dos pagãos continha de um lado os Campos Elíseos e do outro o Tártaro; o Olimpo, moradia dos deuses e dos homens divinizados, ficava nas regiões superiores. Segundo a letra do Evangelho, Jesus desceu aos infernos, isto é, aos lugares baixos para deles tirar as almas dos justos que lhe aguardavam a vinda.

Os infernos não eram, portanto, um lugar unicamente de suplício: estavam, tal como para os pagãos, nos lugares baixos.

A morada dos anjos, assim como o Olimpo, era nos lugares elevados. Colocaram-na para além do céu estelar, que se reputava limitado.

[KARDEC. O Céu e o Inferno, pp.42-3]

Algumas pessoas tiveram visões sobre as zonas infernais em vida, como Dante Alighieri (1265-1321), no longo poema A Divina Comédia (também descreveu o Purgatório e o Paraíso), e Santa Teresa de Ávila (1515-1582). Os logradouros e diversos elementos eram muitos semelhantes aos da Terra*. No entanto, demonologistas, em verdade, inventaram diversos demônios com nomes, hierarquias e funções:

[...] viram grandes cidades no inferno, quais enormes braseiros: Babilônia e Nínive, a própria Roma, com seus palácios e templos abrasados, acorrentados todos os habitantes.

Estes demônios de formas sensíveis, que lembram tão visivelmente os deuses do Amenti** e do Tártaro, bem como os ídolos adorados pelos fenícios, moabitas e outros gentios vizinhos da Judeia [...].

[...]

[...] conhecem-se [...] os nomes de muitos dos príncipes que comandam tais legiões, entre os quais Belfegor, o demônio da luxúria; Abadon ou Apolion, do homicídio; Belzebu, dos desejos impuros, ou senhor das moscas que engendram a corrupção; Mamon, da avareza; Moloc, Belial, Baalgad, Astarot e muitos outros, sem falar do seu chefe supremo, o sombrio arcanjo que no céu se chamava Lúcifer*** e no inferno se chama Satanás.

Eis aí resumida a ideia que nos dão do inferno, sob o ponto de vista da sua natureza física e também das penas físicas que aí sofrem. Compulsai os escritos dos padres e dos antigos doutores; interrogai as pias legendas; observai as esculturas e painéis das nossas igrejas; atentai no que dizem dos púlpitos e sabereis ainda mais.

*O Espiritismo, segundo a Codificação Kardequiana, revela que NÃO existe Céu, Inferno ou Purgatório segundo a visão tradicional cristã. Há na verdade paragens de aparências naturais e artificiais no Plano Espiritual (imaterial, invisível aos olhos comuns ou não videntes), iguais às do mundo terreno, já que os Espíritos desencarnados são os mesmos homens que construíram cidades e modificaram os espaços naturais (mais facilmente fazem isso na Espiritualidade plasmando as imagens produzidas, em grupo, pelo pensamento).

Tais locais, e existem não apenas em nosso planeta ("há muitas moradas na casa do Pai", João 14:2), muitos ligados ao nosso mundo material, são habitados (não pela eternidade) ou transitados por Espíritos afins a sua evolução intelecto-moral.

18º — Os Espíritos imperfeitos são excluídos dos mundos felizes, cuja harmonia perturbariam. Ficam nos mundos inferiores a expiarem as suas faltas pelas tribulações da vida, e purificando-se das suas imperfeições até que mereçam a encarnação em mundos mais elevados, mais adiantados moral e fisicamente. Se se pode conceber um lugar circunscrito de castigo, tal lugar é, sem dúvida, nesses mundos de expiação, em torno dos quais pululam Espíritos imperfeitos, desencarnados à espera de novas existências que lhes permitam reparar o mal, auxiliando-os no progresso.


[KARDEC, O céu e o inferno, "Código penal da vida futura", 1ª parte, cap. VII, p.94]

Mundos ou planos mais elevados espiritualmente são habitados por Espíritos mais elevados quanto a vivência no Bem (o que seria uma ideia do "Céu" ou "Paraíso"), e vice-versa. Há também locais neutros nesse sentido (porém, como afirmam os Espíritos da Codificação, o simples fato de não fazer o Bem, já é fazer o Mal. "Fora da caridade não há salvação", avisou Allan Kardec).

Há a possibilidade também de tais visões, como as descritas por Teresa de Ávila, serem interpretações de sonhos comuns ou alucinações, e não desdobramentos espirituais (viagens da alma a locais na Erraticidade), como teorizou Allan Kardec:

Poderíamos perguntar como há homens que têm conseguido ver essas coisas em êxtase, se elas de fato não existem. Não cabe aqui explicar a origem das imagens fantásticas, tantas vezes reproduzidas com visos de realidade. Diremos apenas ser preciso considerar, em princípio, que o êxtase é a mais incerta de todas as revelações, porquanto o estado de sobre-excitação nem sempre importa um desprendimento dalma tão completo que se imponha à crença absoluta, denotando muitas vezes o reflexo de preocupações da véspera. As idéias com que o Espírito se nutre e das quais o cérebro, ou antes o invólucro perispiritual correspondente a este, conserva a forma ou a estampa, se reproduzem amplificadas como em uma miragem [...]. Os extáticos de todos os cultos sempre viram coisas em relação com a fé de que se presumem penetrados, não sendo, pois, extraordinário que Santa Teresa e outros, tal qual ela saturados de idéias infernais pelas descrições, verbais ou escritas, hajam tido visões, que não são, propriamente falando, mais que reproduções por efeito de um pesadelo. Um pagão fanático teria antes visto o Tártaro e as Fúrias [personificações da vingança, que atormentavam os criminosos no inferno romano], ou Júpiter, no Olimpo, empunhando o raio.

[KARDEC. Op. cit., pp.60-1, com adição].

Céu, inferno e purgatório, os verdadeiros, são metáforas para estados felizes e infelizes das almas de acordo com a condição moral de cada uma. Não estão circunscritos em determinado local exterior, material ou imaterial, mas no interior das pessoas.

ENTRETANTO, o que podemos afirmar como sendo visões aproximadas do Purgatório e Inferno são relatos (de fonte mediúnica) sobre zonas (de estada temporária, não eterna) que os espíritas chamam de umbralinas e trevosas (regiões habitadas por Espíritos inferiores moralmente falando e/ou sofredores de perturbações mentais-perispirituais). Nestas regiões, os desencarnados passam por sofrimentos, geralmente impressões mentais causadas pelas faltas que cometeram em vida, e que se refletem em seus perispíritos (visto que não possuem mais os corpos de carne). Por exemplo, uma pessoa vitimada por acidente automobilístico, causado pelo próprio abuso de bebida, pode se ver no Além com o corpo (perispiritual) mutilado e sangrando, e inclusive sentir terríveis dores aparentemente físicas.

A respeitada médium brasileira Yvonne do Amaral Pereira (1900-1984), em seu livro “Memórias de um Suicida” (1ª ed. de 1954, pela Federação Espírita Brasileira), ditado pelo Espírito Camilo Castelo Branco (ilustre autor português falecido, através do suicídio, em 1890) descreveu o dito Vale dos Suicidas: uma espécie de zona umbralina ou simplesmente Umbral.

No entanto, o Pai jamais abandona seus filhos. Há um grupo de Espíritos resgatadores, que levam os desencarnados arrependidos para centros de acolhimento (espécies de hospitais), chamado Legião dos Servos de Maria, pois o Vale é atendido pelo grande Espírito de Maria de Nazaré (mãe terrena de Jesus Cristo). O suicida, algum tempo após ser atendido (que varia de acordo com o indivíduo), prepara-se para a reencarnação (retorno ao nosso mundo terreno ou material em outro corpo, através do nascimento), fato que acontece com a maioria de nós.

Assim sendo, NINGUÉM permanece nesses locais de sofrimento pela eternidade. Assim como Espíritos "celestiais" podem descer aos planos menos evoluídos a fim de auxiliar seus irmãos da senda da evolução espiritual, como há dois mil anos fez Jesus Cristo.

**Como os antigos egípcios chamavam o Ocidente ou o Poente, para onde as almas dos mortos deveriam se dirigir no Além (já que é ao Oeste que o dia "perece"). Lá também situava-se o tribunal de Osíris, que julgava os falecidos. No entanto, os cristãos coptas traduziram-no como o Inferno, assim como outros fizeram quanto ao Hades grego.

***Adaptação do nome hebraico Heylel, que designava o planeta Vênus: a "estrela da manhã ou da alva", "aquele que brilha" ou "o portador da luz" (lucem ferre, em latim). Isaías, em 14:12, referia-se a um rei babilônio. Era um nome comum, pois alguns cristãos primitivos usavam-no para designar o próprio Jesus Cristo (há um santo católico italiano chamado São Lúcifer, Bispo de Cagliari, falecido em c.370 d.C.). A partir do século IV, Lúcifer passou a ser, com mais veemência, um arcanjo caído que ousou desafiar Deus. O nome "Satanás", do hebraico satan, significa, nem mais nem menos, do que "adversário", "opositor" ou 'questionador", como vemos no Antigo Testamento (Números 22:22, 1 Samuel 29:4, Salmos 109:6 etc.).

Satã, diabo, demônio etc. são termos que podem ser vistos como metáforas para designar o Mal ou pensamentos, práticas e grupos de pessoas consideradas más.

Os entes ou Espíritos chamados por alguns de "demônios" são apenas seres humanos, geralmente desencarnados, que atormentam ou assediam (obsediam, podendo até causar estados de possessão) outros homens encarnados ou não, por diferentes razões (muitos com intenções vingativas sobre fatos ocorridos em encarnações passadas). São pessoas inferiores em ética e moral, voltadas, mais ou menos, a pensamentos e práticas consideradas más. O Espiritismo simplesmente os considera irmãos ignorantes quanto ao Bem, mas que um dia alcançarão a melhoria moral, visto que, como todos nós, estão fadados à evolução espiritual. Portanto, NÃO são Espíritos criados para serem fadados eternamente ao Mal (se assim fosse, o Criador não seria justo e bom, como realmente é). Apenas optaram pelo "mal caminho", pois, como todos os humanos, possuem o livre-arbítrio.

Alguns desses desencarnados podem adquirir aspectos demoníacos, como possuir chifres e cauda, porque podem modificar a aparência do seu perispírito em diversas formas, normalmente com propósito de assustar ou impressionar quem tem a capacidade de enxergá-los, como médiuns videntes e outros desencarnados.

[KARDEC, pp.55-8, com adição]

Purgatório: Local do Além ou Limbo onde, segundo a Igreja Latina, as almas, durante certo período, purgam, purificam ou livram-se dos próprios pecados. Foi criado na Idade Média numa "penada" (através de uma bula papal) pelo papa Gregório I ou o Grande (c.540-604), em 593, que estabelecia penas menos terríveis, do que as do Inferno, para pessoas falecidas que cometeram na vida carnal pecados de menor gravidade.

No entanto, segundo o dogma católico, as almas não saem do purgatório por mérito próprio (adiantamento moral), mas através das preces de outras pessoas que oram por elas. Esse dogma originou mais um abuso da Igreja, além da possibilidade de dar a um papa (homem de carne e osso) poderes semelhantes ao do Criador, quando "criou" um local na Erraticidade entre o Paraíso e o Inferno.

O purgatório originou o comércio escandaloso das indulgências, por intermédio das quais se vende a entrada no céu. Este abuso foi a causa primária da Reforma, levando Lutero a rejeitar o purgatório.

[KARDEC, nota de rodapé, p.63].

O Espiritismo esclarece que o purgatório realmente existe mas de forma metafórica, não literal. As pessoas "purificam-se" no Plano Espiritual e, sobretudo, no Material, esforçando-se para praticar o Bem através das diversas reencarnações que podem se suceder por muitos séculos (o tempo maior ou menor, a fim de alçar mundos mais avançados, depende do esforço que cada um faz no intuito de melhorar-se moralmente). Cristo referiu-se ao "inferno" no sentido de "purgatório".

É, pois, nas sucessivas encarnações que a alma se despoja das suas imperfeições, que se purga, em uma palavra, até que esteja bastante pura para deixar os mundos de expiação como a Terra, onde os homens expiam o passado e o presente, em proveito do futuro. Contrariamente, porém, à ideia que deles se faz, depende de cada um prolongar ou abreviar a sua permanência, segundo o grau de adiantamento e pureza atingido pelo próprio esforço sobre si mesmo. O livramento se dá, não por conclusão de tempo nem por alheios méritos, mas pelo próprio mérito de cada um, consoante estas palavras do Cristo: — A cada um, segundo as suas obras, palavras que resumem integralmente a justiça de Deus.

[...]

10. Mas, por que não teria o Cristo falado do purgatório? É que, não existindo a ideia, não havia palavra que a representasse. O Cristo serviu-se da palavra inferno, a única usada, como termo genérico, para designar as penas futuras, sem distinção. Colocasse ele, ao lado da palavra inferno, uma equivalente a purgatório e não poderia precisar-lhe o verdadeiro sentido sem ferir uma questão reservada ao futuro; teria, enfim, de consagrar a existência de dois lugares especiais de castigo. O inferno em sua concepção genérica, revelando a ideia de punição, encerrava, implicitamente, a do purgatório, que não é senão um modo de penalidade.

Reservado ao futuro o esclarecimento sobre a natureza das penas, competia-lhe igualmente reduzir o inferno ao seu justo valor. Uma vez que a Igreja, após seis séculos, houve por bem suprir o silêncio de Jesus quanto ao purgatório, decretando-lhe a existência, é porque ela julgou que ele não havia dito tudo. E por que não havia de dar-se sobre outros pontos o que com este se deu?

[KARDEC. O Céu e o Inferno, p.64 e 66-7]

Assim sendo, podemos dizer que a Terra, sendo ainda um planeta de Provas e Expiações, por si só é o Purgatório. O grande médium brasileiro Francisco Cândido Xavier confirma que a maior parte das pessoas desencarnadas purgam ou se "queimam" nas chamas do remorso por aqui mesmo: Os espíritos, em maioria, quando deixam corpo, ficam por aqui mesmo. Poucos são os que acham o caminho para as Dimensões Mais Altas... [BACCELLI, Carlos A. Chico Xavier o apóstolo da fé. Uberaba, MG: Liv. Espírita Edições "Pedro e Paulo", 3ª ed., abril 2007, p.166].

Kardec também esclareceu que houve uma interpretação equivocada no sentido temporal das palavras "eterno" e "perpétuo", sobre penas infernais ou purgatórias. As penas são sensações de sofrimento moral, portanto elas terminam quando o Espírito se arrepende, sinceramente, e depois expia e repara as faltas ao longo das sucessivas reencarnações, ou seja, elas são finitas, possuem início e fim, contudo sem data de vigência pré-determinada ou fixada, o tempo das penas só depende do penalizado.

(2) Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se o limite das neves perpétuas; o eterno gelo dos pólos; também se diz o secretário perpétuo da Academia [de Letras francesa], o que não significa que o seja ad perpetuam, mas unicamente por tempo ilimitado. Eterno e perpétuo se empregam, pois, no sentido de indeterminado. Nesta acepção pode dizer-se que as penas são eternas, para exprimir que não têm duração limitada; eternas, portanto, para o Espírito que lhes não vê o termo.

[KARDEC, O céu e o inferno, nota de rodapé do parágrafo 15º do "código penal da vida futura", 1ª parte, cap. VII, p.93, com adição].

Céu ou Paraíso: Os judeus chamam de Shamayim a morada de Javé (Deus), que está acima do firmamento. O gregos consideravam o Empíreo o mais alto céu ou esfera celestial, onde ficavam os astros fixos ou estrelas (émpyros: "em fogo", por causa da luz que emanavam). Por extensão, era a morada dos deuses e das delícias. Os romanos acreditavam nos Campos Elísios: mundo dos mortos considerados bons e heróis. Na Idade Média, o nome "empíreo" passou a designar a morada dos bem-aventurados e santos cristãos (Dante Alighieri descreve-o na Divina Comédia);

1. - Em geral, a palavra céu designa o espaço indefinido que circunda a Terra, e mais particularmente a parte que está acima do nosso horizonte. Vem do latim coelum, formada do grego coilos, côncavo, porque o céu parece uma imensa concavidade.

Os antigos acreditavam na existência de muitos céus superpostos, de matéria sólida e transparente, formando esferas concêntricas e tendo a Terra por centro.

Girando essas esferas em torno da Terra, arrastavam consigo os astros que se achavam em seu circuito.

Essa ideia, provinda da deficiência de conhecimentos astronômicos, foi a de todas as teogonias,que fizeram dos céus, assim escalados, os diversos degraus da bem-aventurança: o último deles era abrigo da suprema felicidade.

Segundo a opinião mais comum, havia sete céus e daí a expressão - estar no sétimo céu - para exprimir perfeita felicidade. Os muçulmanos admitem nove céus, em cada um dos quais se aumenta a felicidade dos crentes.

O astrônomo Ptolomeu [viveu em Alexandria, Egito, no século II] contava onze e denominava ao último Empíreo [do grego, pur ou pyr, fogo] por causa da luz brilhante que nele reina.

É este ainda hoje o nome poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia cristã reconhece três céus: o primeiro é o da região do ar e das nuvens; o segundo, o espaço em que giram os astros, e o terceiro, para além deste, é a morada do Altíssimo, a habitação dos que o contemplam face a face. É conforme a esta crença que se diz que S. Paulo foi alçado ao terceiro céu.

[KARDEC, pp.27-8, com adição]

O Espiritismo esclarece que NÃO há um Céu ou Paraíso, como ordinariamente se pensa, onde os bons residem pela eternidade entre anjos, santos, nuvens, asas, auréolas, harpas... puramente contemplativo. Seria uma contradição, Deus não simpatiza com a ociosidade. Pois se "o Pai trabalha até hoje" (João 5:17) por que seus filhos não trabalhariam? Os Espíritos bons, felizes, justos, salvos, ou seja, destinados ao Céu estão sempre exercendo tarefas que colaboram à salvação (melhoria moral) de outras almas, que um dia atingirão também um nível evolutivo (intelectual e moral) mais elevado.

Os membros deste [agrupamento de Espíritos felizes afins], ora se dispersam para se darem à sua missão, ora se reúnem em dado ponto do Espaço a fim de se prestarem contas do trabalho realizado, ora se congregam em torno dum Espírito mais elevado para receberem instruções e conselhos.

[KARDEC, p.36, com adição].



Kardec resumiu bem o assunto em um parágrafo do "Código penal da vida futura":

5º — Dependendo o sofrimento da imperfeição, como o gozo da perfeição, a alma traz consigo o próprio castigo ou prêmio, onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito.

O inferno está por toda parte em que haja almas sofredoras, e o céu igualmente onde houver almas felizes.

[KARDEC. O Céu e o Inferno, p.91]


A palavra "anjo" proveio do antigo grego ángelos: mensageiro, enviado (não necessariamente de uma divindade). Há certa similaridade com termo mal'akh descrito nas sagradas escrituras hebraicas. Portanto, os anjos eram mencionados desde o Antigo Testamento. Allan Kardec transcreveu a hierarquia dos anjos pregada pela Igreja, note que há semelhanças com a estratificação social de uma aristocracia, ou seja, nada mais do que uma adaptação inspirada no mundo dos homens:


Os padres da Igreja e os teólogos ensinam geralmente que os anjos se dividem em três grandes hierarquias ou principados, e cada hierarquia em três companhias ou coros.

Os da primeira e mais alta hierarquia designam-se conformemente às funções que exercem no céu: — Os Serafins são assim designados por serem como que abrasados perante Deus pelos ardores da caridade; outros, os Querubins, por isso que refletem luminosamente a divina sabedoria; e finalmente Tronos os que proclamam a grandeza do Criador, cujo brilho fazem resplandecer.

Os anjos da segunda hierarquia recebem nomes consentâneos com as operações que se lhes atribui no governo geral do Universo, e são: — as Dominações, que determinam aos anjos de classes inferiores suas missões e deveres; as Virtudes, que promovem os prodígios reclamados pelos grandes interesses da Igreja e do gênero humano; e as Potências, que protegem por sua força e vigilância as leis que regem o mundo físico e moral.

Os da terceira hierarquia têm por missão a direção das sociedades e das pessoas, e são: os Principados, encarregados de reinos, províncias e dioceses; os Arcanjos, que transmitem as mensagens de alta importância, e os Anjos de guarda, que acompanham as criaturas a fim de velarem pela sua segurança e santificação.

[KARDEC. O Céu e o Inferno. Cap. VIII, p.106]

A cultura pagã greco-romana possuía também seus mensageiros alados dos deuses, o mais conhecido deles era Hermes (para os helenos) ou Mercúrio (para os romanos). As representações artísticas das Vitórias (versões romanas da deusa grega Niké ou Nice) também influenciaram a visão dos anjos cristãos como seres sobrenaturais com asas.

Vitória de Samotrácia (c.200-190 a.C.), Museu do Louvre.

Niké de Bréscia (século I a.C.), bronze encontrado no templo de Vespasiano, cópia romana de escultura grega do século IV a.C.

Os médiuns videntes do passado que viam certos desencarnados, os quais consideravam anjos, se deslocando pelo ar acima do solo, atribuíam a estes Espíritos o uso de asas, semelhantes às das aves, para tentar compreender tal fenômeno. Já o Codificador do Espiritismo, Allan Kardec, dá uma explicação mais teórica sobre as ideia das "asas angelicais". 


As asas dos anjos, arcanjos, serafins, que não passam de Espíritos puros, são evidentemente apenas um atributo pelos homens imaginado para dar ideia da rapidez com que se transportam, visto como a sua natureza etérea os dispensa de qualquer amparo para fender os espaços. Contudo, eles podem aparecer aos homens com tal acessório para lhes corresponderem ao pensamento, assim como os Espíritos se revestem da aparência terrestre a fim de se fazerem cognoscíveis.

[Nota da mensagem de Mme. Anais Gourdon em "O céu e o inferno". Federação Espírita Brasileira (FEB): Rio de Janeiro, 2ª parte, cap. II, Espíritos felizes, trad. Manuel Justiniano Quintão, 46ª ed., 2001, p.239]. 

A imagem do Diabo*: com chifres, rabo e cascos (alusão a Pã, divindade metade homem e metade bode, este animal era usado em sacrifícios às divindades pagãs gregas).

*Etimologicamente à palavra "diabo", do grego diábolos, em latim diabolus, significa: caluniador, enganador, difamador ou delator. O termo apareceu no primeiro Novo Testamento, escrito em grego. No judaísmo tradicional, não há a mesma concepção sobre o Diabo ou Satanás como é descrita no cristianismo e islamismo. Os judeus não se referiram à serpente do Jardim do Éden, no livro Gênesis, como sendo Satã. O termo "satã" nas escrituras sagradas judaicas (em hebraico, ha-satan) pode ser qualquer "opositor" ou "adversário".

Os cristãos fanáticos da Idade Média combateram a cultura dos não cristãos porque o diabo estava em tudo o que não fosse de domínio da Igreja [MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Allan Kardec: o druida reencarnado. São Paulo: Eldorado, out. 1996, 2ª ed., p. 95]. Há razões claras sobre a identificação demoníaca feita pelos cristãos medievais:

Pã, o deus dos bosques e dos campos, dos rebanhos e dos pastores, morava em grutas, vagava pelas montanhas e pelos vales e divertia-se caçando ou dirigindo as danças das ninfas. Era amante da música e [...] o inventor da sírinx, ou avena [flauta de pã], e que tocava magistralmente. Pã, como os outros deuses que habitavam as florestas, era temido por aqueles cujas ocupações os obrigavam a atravessar as matas durante a noite, pois as trevas e a solidão que reinavam em tais lugares predispunham os espíritos aos temores supersticiosos. Por isso, os pavores súbitos, desprovidos de qualquer causa aparente, eram atribuídos a Pã e chamados de terror pânico ou simplesmente de pânico.

Como o nome do deus significa tudo, Pã passou a ser considerado símbolo do universo e personificação da natureza, e mais tarde, enfim, foi olhado como representante de todos os deuses e do próprio paganismo.

[...]

Schiller, no poema "Die Götter Griechenlands" [Os Deuses da Grécia], manifesta seu pesar pelo desaparecimento da bela mitologia dos velhos tempos, o que provocou uma resposta da poetisa cristã E. Barrett Browning, no poema "Pã é Morto", do qual fazem parte as duas seguintes estrofes:

Pela tua beleza que se curva 
Ante maior Beleza que te vence, 
Pelo nosso valor adivinhando 
Entre tuas mentiras a Verdade, 
Não te choramos! Dar-nos-á o mundo, 
Depois do velho reino, outro reinado. 
Pã é morto!

O mundo deixa além as fantasias 
Que, em sua juventude, o embalaram 
E as fábulas mais belas e mais vivas 
Tolas parecem em face da verdade. 
De Febo o carro terminou o curso! 
Olhai de frente o sol, olhai, poetas!
E Pã, e Pã é morto.

Estes versos baseiam-se numa velha tradição cristã, segundo a qual, quando o anjo avisou os pastores de Belém do nascimento de Cristo, um gemido profundo, ouvido através de toda a Grécia, anunciou que o grande Pã morrera e toda a realeza do Olimpo fora destronada, passando as divindades a vagar no frio e nas trevas. E o que Milton conta no "Hino à Natividade":

Pelas praias, além, pelas montanhas, 
Triste como um gemido, ecoa um grito. 
Por vales verdejantes, entre as folhas, 
O gênio antigo suspirando foge, 
Choram as ninfas nos bosques desoladas.

[BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia. Trad. David Jardim Júnior. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, 26ª ed., cap. XXII, p. 204 e 207, com adições e modificação] 


Antiga escultura de Pã em Pompéia (Itália).
Também chamado de Fauno ou Lupércio. Por vezes é confundido com os sátiros, membros da coorte de Pã e Dionísio: humanos com orelhas, cauda e órgãos sexuais de equinos.

A Cristianização do Paganismo Romano

Contraditoriamente, os cristãos romanos mantiveram diversos costumes pagãos, a exemplo da adoração às imagens (estátuas) de santos, o uso de incensos nos cultos religiosos e, por algum tempo, os sangrentos jogos de gladiadores (proibido no Coliseu de Roma apenas em 404).


Pollice Verso (polegar para baixo) (1872), de Jean-Léon Gérôme.
Havia também jogos entre homens e feras (leões, tigres, leopardos, ursos, touros etc.), estes últimos eram massacrados em maior número. Reza a lenda que o Imperador Honório (384-423) ficou impressionado, quando o monge e santo cristão Telêmaco (? - 391 ou 404) invadiu a arena para salvar a vida de um gladiador derrotado, antes de ser apedrejado até a morte pela platéia.

No Santuário do Jardim em Pompéia (1892), de John William Godward.
O culto às imagens sacras é uma herança greco-romana herdada pela Igreja romana ou católica.

A Doce Fonte do Neoplatonismo

Dolce far Niente (Doce Ociosidade) (c.1880), de John William Godward.

Iniciado pelo heleno-egípcio Plotino (séc. III), em meio a decadência do Império Romano, foi a última contribuição do pensamento grego à filosofia ocidental. Não implica apenas a retomada da doutrina de Platão (séc. IV a.C.), pois fundiu conceitos de Parmênides, Aristóteles e dos estóicos com ideias místicas orientais. O neopitagorismo, como modo de vida religioso, também sofreu fusão. Convém dizer que os neoplatônicos da época se autodenominavam seguidores do platonismo, pois o prefixo "neo" só foi adicionado por estudiosos modernos, para diferenciar uma doutrina da outra.

No séc. XVI, Rafael Sanzio retratou a Escola ou Academia de Atenas, centro do saber platônico, no coração do ex-inimigo dos filósofos pagãos gregos: a Biblioteca do Vaticano, no Palácio Apostólico.

Rafael se inspirou em contemporâneos seus para pintar alguns rostos dos diferentes filósofos gregos: 
1: Zenão de Cítio/ 2: Epicuro/ 3: Frederico II, Duque de Mântua?/ 4: Boethius ou Anaximandro ou Empédocles/ 5: Averroes/ 6: Pitágoras/ 7: Alcibíades ou Alexandre, o Grande/ 8: Antístenes ou Xenofonte/ 9: Hipátia (Francesco Maria della Rovere ou a amante de Rafael, Margherita)/ 10: Ésquines ou Xenofonte/ 11: Parmênides?/ 12: Sócrates/ 13: Heráclito (Michelangelo)/ 14: Platão segurando o Timeu (Leonardo da Vinci)/ 15: Aristóteles segurando Ética a Nicômaco / 16: Diógenes de Sínope/ 17: Plotino (Donatello?)/ 18: Euclides ou Arquimedes com seus estudantes (Bramante?)/ 19: Estrabão ou Zoroastro (Baldassare Castiglione ou Pietro Bembo)/ 20: Ptolomeu/ R: Apeles (Rafael)/ 21: Protogenes (Il Sodoma, Perugino ou Timóteo Viti).

Os discípulos de Plotino, com o tempo, tomaram diversos caminhos, contudo, a base do neoplatonismo é o abandono do mundo material, para que o indivíduo (espírito) pudesse unir-se a uma entidade superior, incompreensível e auto-suficiente – o Uno – que permeava toda a existência. Essa é a substância do Absoluto que gerou o universo. De certa forma, em seu último alento, a filosofia grega retornou às origens milesianas (alusão à Mileto, na atual Turquia): a procura de um único princípio na Natureza.

O neoplatonismo julga superar, completar e integrar o dualismo e racionalismo gregos, obstáculos até então intransponíveis. O monismo idealista do Uno, dava explicação ao que o dualismo platônico e a lógica aristotélica (materialista) não conseguiam explicar sozinhos. A doutrina é, portanto, racionalista na forma e místico-oriental no conteúdo.

O monismo neoplatônico contrasta com o dualismo platônico, que distingue entre o universo das ideias e dos sentidos, já que o interior da alma se encontra mais próximo do Uno; tal fusão pode ocorrer através da experiência transcendental ou espiritualista.

Os neoplatônicos rejeitavam a existência do mal, e acreditavam apenas em graus de imperfeição ou momentos da ausência do bem. Assim como o Uno estava em tudo, tudo era o bem, pois “tudo é luz, a sombra só existe na região onde ela não ilumina.”


Antigo busto de Plotino (c.205-270). 
Nasceu em Licopólis, Egito, e faleceu em Campânia (Itália). Foi discípulo de Amônio Saccas, que o auxiliou a elaborar o neoplatonismo.

Dessa forma, a felicidade e a perfeição não estavam na outra vida ou no post-mortem, elas podiam ser alcançadas em vida, através, sobretudo, do constante exercício da meditação filosófica. Esse conceito foi retrabalhado pelo cristão Pelágio (séc. IV-V).

Os textos conhecidos de Plotino foram reunidos por seu principal pupilo, Porfírio, em Seis Enéadas (em c.270 a.C.). A obra serviu de base para Hipácia e Proclo.


Proclo Lício (412-487).
Também chamado de Diácono, que em grego significa "Sucessor". Nasceu em Constantinopla, cerca de três anos antes da morte de Hipácia. Estudou em Alexandria e na Academia, em Atenas, onde faleceu. Recebeu a alcunha por ter sucedido Siriano na licenciatura da Academia. Considerado o último dos grandes neoplatônicos, dedicou-se também à matemática euclidiana e à teologia sob o ponto de vista platônico. Entrou em conflito com o governo cristão ateniense, sobretudo ao presenciar a retirada da magnífica estátua da deusa Atena, a quem rendia culto, do Partenon (transformado em templo cristão dedicado à Virgem Maria).

O centro do pensamento neoplatônico se estabeleceu em Alexandria, local cosmopolita privilegiado de todos os tipos de intercâmbios, particularmente intelectuais, entre gregos, egípcios, romanos, judeus, cristãos e outros. Apesar das degenerações dos céticos e da propaganda materialista dos epicuristas, nunca os homens foram tão famintos de religiosidade como antes. O politeísmo caminhou ao lado do monoteísmo: religiões judaico-cristãs de salvação, o popular culto a Mitra (divindade de origem persa) e de Ísis estavam desenvolvendo-se. O principal amalgamador do pensamento helenístico com o judaísmo foi Fílon de Alexandria (c.20 a.C–c.50 d.C.), pensador de origem judaica.

Como o Uno emanou uma sequência de seres menores, filósofos do neoplatonismo tardio, como Jâmblico (séc. III-IV), adicionaram centenas de deuses e seres intermediários como emanações entre o Uno e a humanidade. Em contrapartida, pensadores cristãos, como Pseudo-Dionísio, o Areopagita (séc. V-VI), identificaram o Uno como sendo Deus.

Em 529, o imperador Justiniano fechou todas as escolas filosóficas pagãs. Entretanto, os neoplatônicos continuaram a influenciar diversas pessoas. Os judeus cabalistas, como Isaac, o Cego (séc. XII-XIII), utilizaram o saber de acordo com seu monoteísmo. Um famoso judeu neoplatônico foi Salomão Ibn Gabirol (séc. XI). As ideias também seduziram pensadores islâmicos e sufis como Alfarabi (séc. X) e Avicena (séc. XI). Demais cristãos não ficaram para atrás como Boécio (séc. V-VI) e John Scotus (séc. IX).

O neoplatonismo quase esquecido no Ocidente, sobreviveu no Oriente até ser reintroduzido por Gemisto Plethon (séc. XIV-XV) e subsequentemente revivido na Renascença por Marsilio Ficino (séc. XV), e na arte dos Medici e Sandro Botticelli (ambos do séc. XV-XVI). Depois foram os platonistas de Cambridge (séc. XVII) e Hegel (séc. XVIII-XIX). Dois precursores da Reforma Protestante também beberam da fonte: Meister Eckhardt (séc. XIII-XIV) e Jacob Boehme (séc. XVI-XVII). Na literatura, citam-se os românticos germânicos e o poeta, pintor e gravurista inglês William Blake (ambos do séc. XVIII-XIX).

Ágora, o Espaço da Liberdade

Poster de Ágora (2009), longa-metragem de produção espanhola protagonizado pela atriz britânica Rachel Weisz, que faz o papel de Hipácia de Alexandria.

A palavra grega 'Aγοράpraça, originou-se do verbo αγορεύω (agorien), que no séc. VIII a.C. significava “discutir”, “deliberar”, “tomar decisões”, “falar em público”. Daí a palavra “agorafobia”, que a psicologia define como temor mórbido de lugares abertos ou de multidão. Já no séc. IV a.C., ágora significava “comprar”, pois ainda há em vários centros urbanos atividades comerciais realizadas em praças públicas, como as feiras livres. A priori, é uma praça pública de uma cidade-Estado grega. Por séculos, a ágora padrão às outras polis foi a de Atenas.


Gravura representando a ágora ateniense.

Era o logradouro mais visado e valorizado da cidade. Um ponto de reunião, de circulação de produtos, ideias e pessoas – independente de haver ou não trocas de bens. Um lugar onde se deliberavam assuntos importantes à vida dos cidadãos e da sociedade como um todo. Os gregos usavam a ágora para funções públicas como assembléias, festivais, eleições, competições atléticas, desfiles, mercados, atividades religiosas etc. Assim, os edifícios públicos foram sendo construídos ao redor dela. Em Roma, o Fórum passou a ser o equivalente da ágora grega. A tradição prosseguiu nas piazzas italianas e demais praças européias tornando-as o “coração das cidades”.


Mapa ilustrativo de Atenas no séc. V a.C. com a ágora ao centro.

Durante a reconstrução de Atenas, após a invasão persa (séc. V a.C.), deu-se mais importância à praça, do que à Acrópole, motivada pela urgência em restabelecer ordenadamente a vida cotidiana. A ágora recebia uma atenção mais regular do povo, do que os edifícios voltados ao culto erigido pelo Estado.


Reconstrução da Acrópole e do Areópago em Atenas (1846), de Leo von Klenze.
Uma acrópole (cidade alta ou cidadela, em grego) é geralmente o local mais elevado de uma cidade; servia aos edifícios de maior importância política - pela estratégica posição defensiva - como o palácio dos chefes de Estado e o famoso Partenon (Templo de Atena). No Areópago (literalmente significa "Rocha de Áries", pois, segundo a mitologia, o Deus da Guerra foi julgado, pelos deuses, naquele monte rochoso devido ao homicídio de um dos filhos de Poseidon), de Atenas, ficava o tribunal de apelação da alçada penal e civil e o conselho de anciãos (instituição similar ao senado romano).

Ruínas de uma ágora romana em Atenas.

A significação da ágora vai além do espaço físico. As primeiras praças eram abertas à comunidade e todos tinham o acesso livre à elas. Porém, Platão, em Leis (diálogos), defendeu que se recebessem comerciantes estrangeiros fora da cidade, a fim de evitar influências negativas vindas do exterior. Já seu discípulo, Aristóteles, conseguiu que se construíssem ágoras especializadas: espaços distintos para discussões, negócios e lazer. O filósofo também ressaltou a importância da praça à vida democrática: uma acrópole compatibiliza-se à oligarquia e à legislação de um só homem; o terreno plano pertence à democracia. Por isso os atenienses classificavam uma nação como república livre ou monarquia despótica, de acordo com a presença ou ausência de ágoras.

A hegemonia da Igreja cristã, principalmente entre a Antiguidade e Idade Média, dependeu do fechamento das ágoras da liberdade de pensamento.

Uma ágora brasileira: Praça Floriano Peixoto ou Cinelândia, no Rio de Janeiro, durante passeata contra o regime militar ditatorial, em 1968.


Cinelândia atual (c.2007) vista do Theatro Municipal.


Referências principais:

Atlas da História Universal,The Times. Rio de Janeiro: O Globo, 1995.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1996.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 16ª ed., 2006.

VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 2002.

4 comentários:

  1. Caríssimo autor JenSoares,

    A minha maior pena neste momento é estar muito mal preparado para fazer um comentário alargado e consciente do conjunto admirável de pesquisas sensibilizantes que nos oferece ao longo destes quatro blogues.

    Já o tinha descoberto antes, por causa do episódico importantíssimo da evolução/involução da História da Humanidade, o fim da Biblioteca da Alexandria e da bárbara eliminação de Hipátia, esse ser simbólico do impulso imorredouro da Humanidade perante o seu destino de Infinita Claridade, a conquistar a pulso, milímetro a milímetro, na longa caminhada que nos espera a todos .

    Se fosse entrar nas razões pessoais que me ligam a este episódio, ou nas razões que o trouxeram até mim, corria o risco de tornar aborrecido o meu comentário.

    Manifestando pois a minha grande admiração por estas enriquecidas plataformas internáuticas com tanta cultura de humanidade sensível, fico-me só por uma referência que queria deixar aos leitores:

    - Estou a ler uma obra preciosíssima pera ter uma ideia bem qualificada da imensa importância da tragédia da destruição da Biblioteca da Alexandria, dramaticamente simbolizável no assassinato de Hipátia, e que recomendo a todos, por essa razão e por muitas outras:
    - History of the Conflict Between Religion & Science, por John William Draper

    Apresentando os votos de felicidades a todos, cumprimento e felicito JenSoares pelo riquíssimo trabalho aqui publicado

    José da Costa Brites

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  2. Santa Catarina de Alexandria de fato existiu foi uma grande Santa e Mártir Cristã e não é cristianização de Hipátia de Alexandria.
    ambas existiram e foram grandes mulheres Apesar de poucos relatos se ter de Catarina e até mesmo de hipátia. ambas nos levam a uma grande reflexão de seguirmos sempre o nosso ideal.
    Catarina e hipátia de Alexandria grandes mulheres!

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  3. apenas uma correção: logo abaixo da foto de Annie Besant consta seu falecimento em 1913, o correto é em 1933, conforme consta no site da sociedade teosofica, em 1917 esteve sob prisão domiciliar.
    Faleceu em 1933, aos 85 anos, em Adyar, onde foi cremada de acordo com os ritos hindus. Fonte: http://www.sociedadeteosofica.org.br/pagina.asp?item=87

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  4. Muito interessante seu blogue. Hipácia é um capítulo de meu livro El Senhor Judecator que estou pulicando no meu blogue el-senhor-judecator. Seu blogue foi muito útil para mim. Muito obrigado.

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